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Os escanções querem vinhos originais e histórias para contar

02/06/2025

Diogo Yebra 

Importantes para se compreender as modas, os novos escanções (ou sommeliers) são criativos e fazem a ponte entre produtores e consumidores. Por isso devem ser ouvidos. 

"A vida já me ensinou que, no vinho, como na arte ou em qualquer outra abordagem que exija a componente sensorial, não se deve falar do certo ou do errado, mas isso não me impede de registar que há dois grandes perfis de produtores: aqueles que fazem mais do mesmo e aqueles que constroem um portfólio com alma. Não apenas por uma questão de modas (menos álcool e barrica e pouca intervenção), mas porque querem que os seus vinhos revelem uma história própria. Não uma história com base em factos torcidos ou colados a cuspo, mas uma história sustentada em factores físicos (solos e orografia), botânicos (castas), climatológicos e até históricos", começa por dizer Diogo Yebra, escanção do JNçQuoi, em Lisboa.

E continua: "Enquanto sommelier, não sou apenas um técnico a sugerir a ligação entre um peixe cozinhado de determinada maneira e a acidez do vinho A, B ou C. Sou alguém que conta histórias à volta de uma garrafa. Sou alguém que precisa de histórias para propor e vender vinho. Infelizmente, muitos produtores não pensam nesse assunto."

O mundo do vinho passa por inúmeros desafios — com destaque para a quebra do consumo das gerações entre os 20 e os 30 anos, por exemplo — mas, a partir de uma conversa com oito escanções de uma geração abaixo dos 40 anos (ou sommeliers, como gostam de ser reconhecidos actualmente), a tese registada por Diogo Yebra pode resumir o problema. Sim, há uma nova geração que recusa ou reduz o consumo de vinho por diferentes razões (saúde ou moda); sim, o conceito de vinho low alcool veio para ficar; sim, há uma perseguição em curso a quem bebe bebidas alcoólicas, e, sim, há menor poder de compra em geral, mas todos os sommeliers são unânimes numa ideia: o mundo continuará a consumir vinho e de melhor qualidade, mas os produtores terão de adaptar-se a tendências que surgem a grande velocidade.

Elsa Santos Rosa

Sommelier no Grupo Tivoli, Elsa Santos Rosa, corrobora a tese de Diogo Yebra e reforça-a com um outro detalhe: "Consumir vinho em restaurantes de categoria superior não é só beber vinho para acompanhar um prato. Consumir vinho é participar numa história que vai ser contada mais tarde a outras pessoas (amigos, familiares ou desconhecidos). Isto não é novo — é uma questão intrínseca do ser humano —, mas os vinhos que podem dar este tipo de experiências deveriam vir com detalhes de storytelling." E explica que, antes, os clientes pagavam para provar "vinhos clássicos, badalados e com grande fama", mas, agora, esses mesmos clientes "não se importam de pagar o mesmo ou mais, desde que bebam vinhos que desconheciam e que tenham histórias para contar". E sublinha: "Quem paga 200 ou 300 euros por um jantar quer ser surpreendido pelo chef com sabores raros e invulgares. Ora, em consequência, querem o mesmo com o serviço de vinhos."

Jaqueline Elias

Se todos os sommeliers reconhecem que a tendência dos vinhos com baixa graduação alcoólica veio para ficar, o mesmo não acontece com a generalidade dos produtores nacionais, coisa que pode comprometer o futuro das suas marcas e até o próprio sector. E Jaqueline deixa um alerta: "Se os produtores não trabalharem para a nova geração de consumidores — que vai garantir o consumo no médio e longo prazo —, vão perder terreno para outras bebidas ou produtores de vinhos de regiões que têm capacidade de adaptação mais rápida." Leia-se, produtores do Novo Mundo do Vinho, para quem a história e as tradições pesam pouco ou nada. O que não deixa de ser irónico porque quem impôs a tendência dos vinhos hiperalcoólicos foi o Novo Mundo, arrastando a Europa por esse caminho. As iniciativas de formação que Catarina organiza caem dentro de um conceito a que chama "escola por degraus", querendo com isto dizer que o processo de aculturação ao vinho é gradual e evolutivo em função da idade e das experiências que adquirimos em termos alimentares. "Costumo dizer que a comida e o vinho devem viver em ambiente de casamento saudável e não de divórcio conflituoso."

João Wiborg de Carvalho

Por falar em casamentos, João Wiborg de Carvalho, do restaurante Ocean, no Algarve, (2 estrelas Michelin), realça a tendência que veio do Norte da Europa e se instalou: os parings, que substituem uma parte dos vinhos por soluções sem álcool. "Aqui não há receitas-padrão. Há propostas de paring sem bebidas alcoólicas, propostas em que metade é com álcool e metade sem álcool ou, por exemplo, num menu de dez pratos, colocar uma kombucha, um sumo ou uma infusão, para que a sensação de ingestão de álcool seja moderada e mais leve", clarifica.

Ainda no registo do storytelling, Bernardo Pinho, actual sommelier no Octant Praia Verde, também no Algarve, conta-nos que tornou a sua carta de vinhos atractiva, quando estava no Octant Douro, porque a mesma assentava, maioritariamente, em vinhos criados em todas as regiões vitícolas próximas do famoso rio — regiões portuguesas (Douro, Verdes e Beira Interior) e espanholas (Ribera del Duero, Toro, Castilla Y Leon e Rueda). "Eu, com isso, tinha um manancial de histórias para contar e um universo enorme para criar momentos e eventos que surpreendiam os clientes."
Os escanções querem vinhos originais e histórias para contar

O Novo Mundo no Velho

Sim, é preciso ter em conta a "mudança de perfil dos vinhos e as exigências dos consumidores", mas a função de um sommelier é "ser criativo com os vinhos que tem, independentemente de terem muito ou pouco álcool, muita ou pouca batonagge, muito ou pouco açúcar". E reforça: "Eu é que tenho de encontrar o momento certo para cada perfil de vinho e surpreender os meus clientes. Dizem que não é fácil vender vinho do Porto, mas eu, no Octant Douro, vendia 16 mil copos de vinho do Porto por ano. Como? Trabalhando com temperaturas e desafios sensoriais.

Willian De Souza Botignon

Agora, no Algarve, esta performance com o vinho do Porto será mais complexa, por isso, o profissional terá de "explorar outros caminhos, como as ostras e o vinho ou o vinho e a música, por exemplo". E diz: "O fundamental não é só seguir tendências, mas é jogar com as tendências em função de clientes cujos gostos são diferentes em matéria de vinho como são diferentes em matéria de estilos musicais."

No Bairro Alto Hotel, o sommelier William de Souza Botignon sabe o que é conviver com perfis de diferentes consumidores: "Os portugueses têm muitas certezas quanto aos vinhos que querem beber — quase sempre do Douro ou do Alentejo —, pelo que prescindem de aconselhamento; os brasileiros continuam no registo para impressionar e mostrar status e os americanos aceitam com naturalidade as minhas sugestões, mas de preferência com vinhos monovarietais, razão pela qual 90% da carta é composta por monovarietais." Contudo, William pretende mostrar a diversidade e a riqueza dos vinhos portugueses aos estrangeiros. E afirma: "Em certa medida, quero passar a ideia de que Portugal é um Novo Mundo do vinho, dentro do Velho Mundo que é a Europa."

David Lopes

Num registo bem diferente, David Lopes é um sommelier a trabalhar numa distribuidora de vinhos — a Decante, conhecida por oferecer vinhos premium de diferentes regiões. Como passa os dias a visitar restaurantes e hotéis — ajudando por vezes a construir cartas equilibradas —, faz uma radiografia mais abrangente do gosto dos consumidores. "Regiões não faltam em Portugal, mas os consumidores insistem no Douro e no Alentejo e só mudam se alguém insistir; os consumidores acima dos 45/50 anos continuam a preferir tintos com 14% ou 15 % de álcool e nem vale a pena oferecer-lhes claretes ou palhetes; os vinhos rosés vendem-se em dias de sol, em esplanadas e comprados por estrangeiros; e o vinho a copo ao almoço está, para as gerações mais novas, a substituir a tradicional garrafa para duas pessoas", resume.

Modas e tendências

No mais, todos os sommeliers concordam com as seguintes teses: a redução do consumo de vinho por questões de saúde e bem-estar veio para ficar; as regiões portuguesas terão de reforçar o carácter identitário e diferenciador dos seus vinhos; os produtores devem reduzir portfólios e adaptá-los às novas tendências, sem que isso signifique abandonar determinados estilos de vinho; os brancos com mais acidez fazem o papel dos tintos por serem polivalentes à mesa; os vinhos desalcoolizados não se recomendam do ponto de vista sensorial (por enquanto); e os vinhos naturais carregados de defeitos e com histórias mirabolantes já tiveram melhores dias.

Os escanções são, hoje, técnicos bem formados, com muito mundo, interventivos no negócio e determinantes para uma experiência de excelência na restauração. Depois do chef, são eles as estrelas nas salas. Por isso, é importante que o sector, no seu todo, escute quem tem de lidar com as modas que nascem como cogumelos. Ouvir é sempre uma boa escola.

Fonte: Publico

Por: Vitor Pereira wine Judge

Vitor pereira

Observando: em diversos hotéis de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, além do Espaço +, onde desenvolvo um trabalho mais direto com o público final. No caso dos hotéis, o meu papel passa por ajudar a montar e ajustar cartas de vinhos que façam sentido para o perfil dos hóspedes e do restaurante — ou seja, nem sempre o mais caro ou o mais raro é o mais adequado. Procuro equilibrar rótulos bem conhecidos com propostas que tragam identidade e autenticidade, principalmente de pequenos produtores brasileiros e algumas opções importadas com boa relação qualidade-preço.

Também faço formação com as equipas de sala e bar, algo essencial, porque o vinho só chega bem à mesa se for bem servido e bem apresentado. Às vezes basta ensinar a temperatura certa, a diferença entre uma uva e outra ou como sugerir um vinho sem parecer que se está a empurrar uma venda. Com isso, já se nota diferença no consumo e na satisfação dos clientes.

No Espaço + o trabalho é diferente, mais focado em experiências e contacto direto com o consumidor. Faço jantares harmonizados, provas temáticas, eventos privados. É ali que dá para testar tendências e perceber o que realmente atrai o público mais novo. E o que tenho visto é claro: os vinhos a copo estão a ganhar terreno, principalmente entre os mais jovens, que preferem provar sem se comprometer com uma garrafa inteira. O consumo está mais leve, mais informal, e isso também se reflete nos estilos escolhidos — mais brancos, mais espumantes, rosés nos dias de sol, e pouca paciência para vinhos muito pesados.

Ainda assim, entre os consumidores mais tradicionais, especialmente acima dos 45 ou 50 anos, os tintos encorpados com 14% ou 15% de álcool continuam a ser os favoritos. Tentar apresentar claretes, palhetes ou vinhos de menor intervenção a esse público costuma ser em vão — raramente aceitam sair da zona de conforto.

Outra coisa que noto é que o consumidor brasileiro ainda tem muito apego a regiões e nomes conhecidos. Se o vinho não for do Vale dos Vinhedos ou não tiver um rótulo chamativo, passa despercebido. Mas isso está a mudar, aos poucos, com a ajuda de experiências personalizadas e de um trabalho de educação constante. Quando o vinho é bem apresentado, com história e contexto, as pessoas ficam mais abertas a experimentar.

No fundo, o que faço é ser essa ponte entre quem produz e quem consome — ajudando a escolher melhor, a vender melhor e a beber com mais prazer e consciência.

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